terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A crítica teatral ganha novos formatos e se firma na internet

Fátima Saadi no 1º Encontro Questão de Crítica (Crédito: Raphael Cassou - Divulgação)
O cenário teatral carioca continua movimentado, mas o espaço para a crítica nos jornais impressos da cidade se tornou cada vez mais escasso. A solução? A internet aliada ao surgimento de uma nova safra de estudiosos das artes cênicas. O ambiente virtual tornou-se essencial para a discussão do teatro contemporâneo, a troca de ideias e novos formatos, e também como guia do espectador até a poltrona.

A análise profunda sem denunciar juízo de valor é o objetivo da revista eletrônica Questão de Crítica, lançada em março de 2008, que busca tirar a crítica do seu lugar-comum. “Queríamos fazer algo diferente do que se via no jornal, misturar o jeito acadêmico com uma linguagem acessível. Escrever para um público interessado, que tem vontade de ler sobre teatro”, explica uma das idealizadoras do portal, Daniele Avila. Para impulsionar o trabalho, Daniele, junto com os colaboradores da revista, promoveu, no mês passado, o 1º Encontro Questão de Crítica que teve como objetivo debater a crítica teatral, dialogando com outros segmentos como cinema, internet, filosofia. O evento recebeu uma série de profissionais ligados às artes cênicas. “Quisemos ‘sair’ do site para chamar a atenção sobre a crítica e promover discussões importantes sobre o teatro e áreas interligadas”, acrescenta. O ponto principal da revista eletrônica é provocar um debate de qualidade. “Estamos criando e fazendo ideias. Não precisamos nos expressar de forma rasa, por achar que o leitor não terá interesse. Queremos pensar sobre teatro, criar pontes e não apenas falar se a peça é boa ou ruim”, reforça.

A tradutora e dramaturga da companhia carioca Teatro do Pequeno Gesto, Fátima Saadi, contesta o padrão com que se divulgam críticas ditas mais tradicionais. “Não sei se ainda podemos chamar de crítica a apreciação de espetáculos que segue fórmulas batidas – alguma informação sobre o autor e sua época, brevíssima menção ao conteúdo do texto e distribuição de adjetivos a cada um dos elementos do espetáculo”. O crítico teatral e doutorando em Teatro pela UniRio Daniel Schenker também enxerga diferenças entre o que está sendo produzido hoje e a fórmula tradicional. “No que diz respeito aos críticos do Rio de Janeiro que exercem a função há bastante tempo, existe um certo formato relacionado à análise do espetáculo por fases dentro de um mesmo texto (falar sobre a peça, depois a direção, os elementos técnicos e os atores) que já não é seguido como modelo”. Schenker ressalva, porém, que não há um perfil da crítica proposta pelos novos pensadores, “talvez porque ainda não tenham despontado em número suficiente para determinar tendências”.

A temida crítica Barbara Heliodora, de O Globo, aponta os problemas na formação de um profissional capaz de avaliar minuciosamente um espetáculo. “Essa formação é limitada por questões econômicas, estéticas. Mas acredito que a renovação tem de haver, e nesse sentido sempre aparecem novos críticos, mas eles sofrem com a falta de espetáculos. Antes havia espetáculos maravilhosos e eu tive a sorte de assisti-los. Acho que o que falta para aumentar o número de críticos é a própria matéria-prima que padece pela falta de quantidade”, acredita.

Se a quantidade de críticos ainda não é significativa, na opinião de Schenker e Barbara, especialistas na área acreditam que existe um movimento de renovação no meio. A jornalista Luciana Eastwood Romagnolli, setorista da área, avalia que o fenômeno no Rio de Janeiro não se encontra mesmo nos grandes veículos, mas sim no meio alternativo da internet. “Os novos críticos se pautam por um outro pensamento do que a crítica de teatro pode ser, um trabalho que não encontraria espaço na imprensa carioca tal como ela se organiza hoje”, acredita.

O ambiente universitário é propício para que mudanças como essas se fortifiquem, como acredita Daniele Ávila. “A Questão de Crítica surgiu dentro da Uni-Rio, no curso de Teoria do Teatro. Acredito que é um meio onde existe espaço para reflexão do teatro focado na contemporaneidade e que se dá atenção à prática e teoria”, ressalta. Fátima Saadi também credita aos bancos acadêmicos umas das razões para o aparecimento dos novos críticos. “Isso reflete o amadurecimento do trabalho nas escolas de teatro e nas universidades de artes cênicas e de áreas afins. Denota também uma nova maneira de conceber a crítica e seu objeto. A crítica abandona sua pretensa objetividade, baseada no instrumental técnico oferecido a partir dos anos de 1970 aos estudiosos da área, e elege novos referenciais para sua reflexão. Sem abandonar o domínio dos estudos teatrais, aqueles que escrevem sobre teatro dialogam com criadores e críticos de áreas como, por exemplo, filosofia, estética, crítica da cultura, artes plásticas, literatura e sociologia”.

O crítico de teatro Macksen Luiz, que escreveu para a edição impressa do Jornal do Brasil (JB) durante 29 anos, criou seu próprio blog para dar continuidade ao trabalho, mas admite que conhece poucos críticos da nova leva. “Leio alguns blogs especializados, sei que a maioria é oriunda do curso de Teoria (do Teatro) da UniRio e isso traz uma certa especialização aos trabalhos”. Macksen, inclusive, atenta sobre a possibilidade de os novos pensadores conseguirem um lugar no meio impresso. “Acredito que alguns deles tenham como objetivo chegar ao jornal de papel e isso não é algo para um futuro distante. Evidentemente, isso pode acontecer pela renovação natural e pelo desejo de se escrever neste tipo de mídia”, completa. Para Daniele, este é um objetivo possível para muitos críticos, principalmente pelo valor simbólico que a mídia impressa ainda permite. “A atividade traz status e, querendo ou não, tem reconhecimento no meio teatral da cidade. Muitos escrevem de forma mais jornalística visando a este meio (impresso), além de ser uma maneira de sustento, uma vez que o trabalho na internet nessa área ainda carece de recursos”. Porém, o surgimento dessa nova demanda de pensadores (e de certa forma suas pretensões) parece flutuar no caminho inverso do jornalismo impresso, que abre cada vez menos espaço ao meio opinativo.

Para o blogueiro e crítico teatral Lionel Fischer esta redução se deve ao fato da diminuição de interesse da mídia impressa neste conteúdo. “Seja qual for a natureza de reflexão, ela interessa cada vez menos aos veículos de comunicação, o que parece estar em sintonia com o interesse também, cada vez menor de as pessoas refletirem sobre qualquer fenômeno”, opina. Macksen acredita que independentemente do meio que se busca a crítica o importante é o que ela estimula. “Meio impresso ou não, o leitor procura o que deseja. O que temos de fazer são textos que possam capturar o olhar sensível dele”.
Segundo Daniel Schenker, a perda de espaço da crítica deu-se possivelmente pelo fato do teatro ser uma manifestação artística menos mercadológica. Fátima Saadi reitera que o teatro, em termos de números, não alcança o mesmo público do “cinema-pipoca ou dos shows de música, e isso pesa no espaço que o jornal atribui às colunas teatrais, na medida em que elas são compreendidas como uma extensão do serviço”, diz. “Além disso, atualmente está explícito, de forma quase grosseira, que a função do crítico de jornal é evitar dissabores ao espectador, isto é, impedir que ele vá ver algo que fuja a seu (do crítico e de seu público) padrão de gosto. Com isso, lamentavelmente, se perde a perspectiva histórica”, conclui. Em contrapartida à mídia impressa a internet tornou-se o local de difusão das mais diversas ideias, através de sites e blogs, e que amplia as possibilidades de novos nichos para quem escreve, além de disseminar o conteúdo que se deseja a um possível público diverso. Para Daniel Schenker, porém, o surgimento constante de diversos veículos virtuais acarreta em um movimento inverso: o poder de repercussão da mídia impressa acaba sendo maior que a web. Apesar disso, Schenker acredita que a internet se tornou um caminho possível pela sua viabilidade, tanto para quem está começando quanto para críticos que perderam espaço no meio impresso. Luciana Ronagnoli também vê este efeito dicotômico em relação às possibilidades da internet. “Há uma facilidade na hora de escrever, mas o alcance dessas críticas proferidas no meio virtual é extremamente variável e depende de outras formas de legitimação, sejam externas (como o crítico que traz sua legitimação do jornal onde escrevia ou de outras atividades praticadas em outros contextos) ou internas (casos de quem constrói uma reputação escrevendo na internet)”, afirma.


Lionel Fischer já escreveu em jornais como O Globo e Última Hora e há três anos dedica-se a seu blog. Ele afirma que não é possível mensurar o impacto gerado pelas suas críticas, mas acredita que a discussão abordada no blog sobre o fazer teatral gera interesse. “No momento tenho 345 ‘seguidores’ e eles certamente são pessoas interessadas em teatro, ainda que não exerçam a profissão de artista”. Fischer compara a internet a uma moeda que possui duas faces. “Ela pode ser encarada tanto como um veículo sério que visa discutir questões relativas ao teatro, formuladas por profissionais gabaritados, quanto espaço facilmente ocupado por pessoas despreparadas que, isentas de qualquer avaliação - como ocorria nos jornais por parte da editoria - postam em seus blogs eventuais barbaridades.


Macksen Luiz está desde janeiro desse ano no meio virtual. Enquanto trabalhou no JB, pensou em criar um blog, porém, segundo ele, não haveria mudanças significativas em passar o texto para a web, por isso a ideia do blog surgiu em um momento que ele pode se dedicar à área. “Antes eu pensava que iria ‘chover no molhado’, isto é, passar para a internet o que estava impresso”, conta. Mesmo com a mudança de ‘casa’, Macksen afirma que o conteúdo é o mesmo. “O que está em jogo é a preservação do exercício da crítica. E isso não foi alterado”, frisa. A adesão à internet movida por segmentos diversos e que, por vezes, não seguem as mesmas ideias só reafirma seu valor de ser um lugar público em tempos que todos sabem e querem dar opinião. Fátima Saadi afirma que o ressurgimento da presença palpável do crítico no que ele escreve, conduz a uma reflexão a partir de pontos de vista e contribuições metodológicas diversas. Ela cita Galileu, personagem da peça homônima do dramatúrgico alemão Bertold Brecht, como paradigma. ‘Pensar é um grande prazer. E a crítica propõe um olhar pausado e afetivo sobre o teatro’.



Colaboração de Vanessa Didolich Cristani

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

De 16 a 18 de novembro, ocorre o XI Seminário Internacional de Comunicação na PUC
Mídias Locativas e Transmídia:
De que meios estamos falando?
Um dos convidados especiais será Eric McLuan

Na ocasião, a jornalista Helena Mello estará apresentando o seu trabalho sobre crítica, com o título Se critiquei sou crítica?

SE CRITIQUEI SOU CRÍTICA?

 Helena Maria Mello, Jornalista e mestre em Artes Cênicas, PPGAC/UFRGS
A mais famosa crítica do país, Bárbara Heliodora, formou-se em Artes nos Estados Unidos e em Letras no Rio de Janeiro. Tradutora, diretora, premiada, afirma que para ser crítico é preciso ver muito teatro. Antônio Hohlfeldt é formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre e doutor em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pós-doutorado em Portugal e crítico do Jornal do Comércio. Afirma que é preciso certa formação para ir além da impressão quando se escreve sobre teatro. Entretanto, poucas são as ofertas de cursos para quem deseja ser crítico e o espaço deste tipo de texto é cada vez menor. Todavia, a internet permite que mais pessoas possam expor suas opiniões, comentários e críticas. Isso os torna críticos? A opinião de quem o público respeita? Quando os artistas as aceitam?

Mais informações sobre o seminário, no link 


www.eusoufamecos.uni5.net

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A lady da crítica teatral


Terça-feira, 27 de Setembro de 2011 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 661 - 27/09/2011
ENTREVISTA / BARBARA HELIODORA
Por Paulo Werneck em 27/09/2011 na edição 661
Reproduzido do suplemento “Ilustríssima” da Folha de S.Paulo, 25/9/2011: título original “Lady Heliodora”; intertítulos do OI
Barbara Heliodora não é apenas a decana da crítica de teatro brasileira, mas também o símbolo de um rigor que cultivou antipatias no meio teatral carioca. As palavras duras que dirige às produções que não lhe agradam (“leitura óbvia”, “texto confuso e gratuito”, “direção agitada”, “montagem desastrada”) sobressaem em relação aos elogios que volta e meia distribui sem economia.
Ficou carimbada como uma crítica severa e durona. Atuante em jornais e revistas desde 1957, com um intervalo entre 1964 e 1985, escreve cerca de 80 críticas por ano. Especialista em Shakespeare e Nelson Rodrigues, ela recebeu a Folha em sua casa, no bairro carioca do Cosme Velho, um dia depois de fazer 88 anos.
“Por volta de 1850 ou 60, há algum teatro”
Como a sra. avalia o teatro brasileiro de hoje?
Barbara Heliodora – Há vários aspectos diferentes. Uma coisa positiva é que estão sendo levados [ao palco] muito mais textos brasileiros, mas é claro que, como é algo recente, ainda há muita coisa ruim. Mas acho que tem que ser, tem que continuar a insistir. Você pega dois países colonizados, os EUA e o Brasil. Os EUA também tiveram degredados. Tudo o que a gente teve aqui, eles tiveram lá também, mas eles foram colonizados pelos ingleses, que têm uma riqueza teatral imensa. Então, desde a colônia eles recebem uma influência teatral muito forte. Portugal não tinha tradição teatral para nos legar. Além disso, o tipo de colonização, com as grandes propriedades, as capitanias hereditárias, aquele negócio todo. Não houve uma formação de núcleos urbanos a não ser praticamente no final do século 19. Você não faz teatro se não tem plateia. A primeira arte cênica que teve plateia no Brasil foi o cinema, que era acessível por ser duplicável. O cinema nos EUA buscou o público que vinha do teatro; conosco, não, o teatro teve de ir catar público no cinema. Não houve essa transição, o que dificultou muito o processo. O pouco teatro que Portugal nos trouxe era francês, traduzido.
Então, você tem na Independência, logo depois, o [dramaturgo e diplomata] Martins Pena [1815-48], que é maravilhoso. E aí volta um período de silêncio. Mais tarde, por volta de 1850 ou 60, há algum teatro. No fim do século, na República, aí sim, há um período de intensa atividade cênica, com As Borboletas, do Arthur Azevedo, entre outros. Depois disso houve surtos de teatro brasileiro, mas sem continuidade.
“Tem que se insistir para que apareçam autores de fôlego”
Que dificuldades isso trouxe?
B.H. – Isso dificultou a linguagem. O problema dos autores brasileiros era que, até poucas décadas atrás, você aprendia que até podia falar errado, quer dizer, da forma como se fala no Brasil, mas que tinha de escrever da forma correta, como se fala português em Portugal. Hoje em dia não é mais assim, mas isso só desde o Nelson [Rodrigues]. O Nelson foi quem quebrou isso porque ele era um bom repórter. Vários autores pré-Nelson, na hora em que se sentavam, escreviam o português correto. Esqueciam que o que estavam escrevendo era para ser uma linguagem falada. E, quando o ator dizia aquilo no palco, soava falso porque ninguém falava daquele jeito. Isso prejudicou muito a dramaturgia brasileira. Você não reconhecia o brasileiro em cena. A partir do Nelson, você começa a reconhecer o brasileiro em cena.
E quem fez isso depois do Nelson?
B.H. – Depois tem, por exemplo, o Silveira Sampaio, que fez pela zona sul [do Rio] o que o Nelson fez pela zona norte. Só que é um autor que ninguém mais monta, a família dele causou muita dificuldade para as montagens. Mas ele fez comédias maravilhosas. A Trilogia do Herói Grotesco é sensacional. Ele tinha um talento fantástico, é pena que seja pouco conhecido. Um pouco depois veio o Millôr, que também domina a cena muito bem, de maneira que houve todo um movimento, mas eu acho que é porque o Brasil estava mudando. No momento, tem muito autor brasileiro que é bom, mas nem tudo pode ser bom, a verdade é essa. Tem que se insistir para que apareçam autores de fôlego.
“É uma ilusão considerar o teatro superado”
Quem a sra. destaca entre os nomes novos da dramaturgia?
B.H. – Ah, não sei, não quero dizer assim porque não conheço o bastante. Por exemplo, vejo no jornal de São Paulo autores de quem nunca ouvi falar porque estão em São Paulo. Aqui tem o [Jô] Bilac, que é bom, tem vários, mas algumas coisas são muito interessantes e outras são mais fracas.
E o que a sra. acha do teatro experimental, de vanguarda?
B.H. – Às vezes, as pessoas se iludem um pouco e o que fazem não chega a ser uma experiência válida. Falta um domínio do teatro tradicional. As pessoas experimentam sem conhecer o que veio antes, então fica um pouco falso, apenas ilusoriamente experimental. Há uma preocupação em ser original que fica superficial. Mas é preciso fazer. Eu sempre digo que o necessário são os conservadores, porque a mudança é fatal. Essa está sempre em dia. Então, para controlar um pouquinho, é preciso que alguém diga “peraí”, “aguenta aí”. Mas vai passando o tempo e tudo vai mudando – e a mudança é desejável e inevitável.
A sra. se vê como conservadora?
B.H. – Eu me vejo mais como neutra. Porque gosto das duas coisas. E acho que é uma ilusão considerar o teatro superado. Aqui é que tem isso, mas nos outros países a gente vê de tudo, tem que fazer uma coisa e outra. Porque o próprio público só vai realmente apreciar uma experiência se souber o que é teatro. Ele tem que já ter visto, para poder comparar uma coisa e outra e pensar: “Ah, mas isso aqui é novo...” Senão não tem referência.
“Todos pensam em fazer carreira na Globo”
A sra. acha que leva mais gente para o teatro ou faz um alerta sobre aquilo que não vale a pena?
B.H. – Alguns produtores, diretores etc. já me disseram que a crítica negativa não tira ninguém do teatro. Mas a crítica positiva leva gente. Dizer que a crítica acaba com o espetáculo não é verdade.
A TV tem sido um centro de produção de dramaturgia. Tem levado público ao teatro?
B.H. – Não, acho que não. A televisão não só atrai um público que era do teatro. Há um grande problema para ir ao teatro ou a qualquer lugar. Casal jovem com filho pequeno não tem com quem deixar [o filho], então a televisão é uma distração para quem não tem condições de ir a lugar nenhum. É uma coisa difícil. Antigamente as famílias moravam juntas, sempre tinha uma tia em casa. Mas, hoje, como é muito unitário, não pode sair de casa porque não tem com quem deixar o filhinho pequeno.
A senhora não acredita numa dramaturgia vinda da televisão?
B.H. – Não. São veículos completamente diferentes. A dramaturgia de telenovela é uma coisa, escrever para o teatro é outra coisa e cinema é outra coisa. São caminhos diferentes. Agora, os melhores atores de televisão fizeram teatro. A televisão deveria ajudar o teatro porque o ator bem formado no teatro vai ser bom na televisão também. Uma coisa angustiante é que os cursos de teatro estão atulhados de candidatos que só pensam na TV. Não pensam em fazer carreira no teatro, estão todos pensando em fazer carreira na Globo.
“O pior são os autocomplacentes”
A sra. falou da família de Silveira Sampaio. O diretor Marco Antonio Braz se queixou da família de Nelson Rodrigues, que seria o autor mais caro do mundo.
B.H. – Ele fala é que eles querem 10%, que é o que todo autor pede, 10% no mundo inteiro.
Ele diz é que a família pede 10% do patrocínio.
B.H. – Aí, eu não li porque vi o título [da reportagem] e essas brigas me cansam. Mas o que acho é que o problema do custo do espetáculo, com a legislação e o clima atual, não há mais sobrevivência com bilheteria. Está todo mundo dependendo de ser financiado, só que com esses financiamentos dá para montar e ficar dois meses. Qual espetáculo se paga em dois meses? E o que que nós estamos vendo? Uma enxurrada de monólogos, que é uma coisa horrorosa.
O mau teatro afasta o público?
B.H. – Essa frase não é minha. Gianni Ratto dizia isso. Eu me lembro claramente de uma vez ele me perguntar eu tinha ido a uma peça e ele disse: “Como é que foi?” Eu digo: “Ah, foi muito fraca.” Ele disse: “Isso prejudica todo o teatro.” Isso é que é... As pessoas da classe às vezes não têm noção disso. Uma pessoa que nunca foi ao teatro, o que acontece muito, vai pela primeira e vê uma coisa ruim, faz voto de castidade, nunca mais volta. É o tal negócio: o mau cinema tem o mito de que custa barato, é quase tanto quanto o teatro hoje em dia, pelo menos a fotografia não está borrada, né, aquela coisa. Então, as pessoas vão ao cinema e voltam na semana seguinte, entram no meio, aquelas coisas. Se é ruim, a pessoa não volta ao teatro durante muito tempo. Falta consciência. Prefiro um espetáculo que tentou muito, não conseguiu, mas a gente sente que foi sério. O pior são os autocomplacentes, que acham que tiram tudo de letra e fazem peças horríveis.
“A única coisa que ouvi dela [Sarah Bernhardt] é um horror”
Como é a senhora se protege da complacência ao escrever?
B.H. – Complacência é sempre condenável. A gente fala sobre o que viu.
Seu coração nunca amolece?
B.H. – Não. Dói quando eu vejo um engano de gente que costuma até fazer bem. Procuro estabelecer que, quando vejo uma coisa que está errada, mas que a gente sente que foi bem trabalhada e que os atores estão atuando com responsabilidade, que houve uma direção... Pode ser que estivesse tudo errado, mas como foi feito com seriedade, é outra coisa. O que acho horrível é que quando a gente sente que está todo mundo ali, sabe, “eu sou maravilhoso” e tal, o que eu fizer está bom. Isso eu acho horrível.
A crítica pode preservar o trabalho de grandes atrizes, como a Sarah Bernhardt, por exemplo?
B.H. – Mas quem é que sabe como ela era? Eu, por exemplo, acho que ela devia ser horrível.
Acha mesmo?
B.H. – Acho. Ela devia ser mais personalidade do que atriz. Porque era a Sarah Bernhardt. Mas eu não sei, a única coisa que ouvi dela gravado é um horror. É um trecho do Horace [imita Sarah]. Eu tenho a impressão que ela devia ser uma personalidade muito marcante. Agora, não sei a qualidade dela como atriz. Ninguém sabe. Ficar famoso é uma coisa, você saber como era é outra bem diferente. Cacilda [Becker], você não sabe como é que era, Cacilda era uma atriz deste tamanhinho, magrinha assim, e com uma vozinha assim [imita] e em Quem tem Medo de Virginia Woolf ela dizia que era gorda e todo mundo acreditava, ninguém reclamava que era dito que ela era gorda e na verdade não era. É a capacidade dela de persuasão.
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[Paulo Werneck, da Redação da Folha]

sábado, 1 de janeiro de 2011

Para que serve a crítica de teatro?


31 dezembro 2010 Comentário

Artigo de Michel Fernandes, especial para o jornal Diário de São Paulo

saiu na edição impressa de 28 de dezembro de 2010

A importância de reconhecer a responsabilidade ao se escrever artigos sobre peças teatrais e se entregar à dúvida e ao questionamento


Dois dos principais objetivos de uma crítica teatral são propagar a reflexão sobre um espetáculo de teatro e mapear o momento histórico pelo qual passa o teatro, independente de julgamentos, em busca única da descrição da cena contemporânea ao crítico.

Em artigo de Sábato Magaldi lemos que a crítica comete muitos erros de avaliação, mas são equívocos necessários para propagar a reflexão acerca dos novos fenômenos teatrais, ponto que vai de acordo com as ideias da dramaturga Marici Salomão, de que a crítica é uma das bases da percepção, discussão e difusão de novos caminhos das artes cênicas.
Não quero com esse texto glorificar a atividade de crítico teatral, seria no mínimo pedante e pretensioso, mas, antes, reconhecer a responsabilidade que carregamos ao assinar nossos artigos e, por isso mesmo, nos entregarmos à dúvida, ao questionamento constante. Em lugar do autoritário “isso pode” e “isso não pode”, reconhecer que o teatro é território livre, em que quaisquer experimentações são possíveis e que, concordando ou discordando do fenômeno teatral que se critica, é necessário o embasamento teórico e de Sábato Magaldi, crítico e pesquisador de teatro experiências, vividas ou apreendidas em leituras, para se tecer o texto que, aliás, nada deseja ser definitivo, mas, tão-somente, uma alavanca para a discussão sobre tal fenômeno, já que segundo diz o diretor inglês Peter Brook “o verdadeiro bom teatro só tem inicio ao cair do pano”. É preciso refletir, sobretudo, “o que é?” e “para quem é dirigida?” a crítica teatral. É preciso diferenciar a crítica teatral dos materiais de divulgação de um espetáculo.

PRIMEIROS PASSOS PARA UMA BOA CRÍTICA
Ninguém duvida que a primeira característica exigida a autores de quaisquer editorias dos jornais e revistas, impressos (as) e eletrônicos (as), é que se escreva com clareza. Essa exigência tão importante ao repórter, cuja função é desembaraçar os fatos do cotidiano para seu público leitor, é apontada por Sábato Magaldi em artigo como condição primordial para que um texto crítico obtenha seu objetivo primeiro que é estabelecer a comunicação entre quem escreve e quem lê. Ele acrescenta que o crítico “julgue com extrema honestidade e sem preconceitos de gênero”. Magaldi diz também que “a primeira função da crítica é detectar a proposta do espetáculo, esclarecendo-a, se preciso, pelo veículo da comunicação. Em seguida, cabe-lhe julgar a qualidade da oferta e de as transmissão ao público”.
Para realizar o que chama de “julgamento” ele evidencia a necessidade do crítico assegurar seu conhecimento sobre o objeto do que vai propor a reflexão crítica – o espetáculo teatral. E, para a aquisição de tal saber, cabe ao crítico, além de sólida formação em cultura geral, a freqüente leitura sobre a estética teatral, seus diversos estágios diante da história teatral, estudos sobre os mestres – como Artaud, Meierhold, Craig, Bob Wilson, Stanislavski, Brecht, Piscator, entre tantos outros –, conhecimentos sobre a dramaturgia de Sófocles a Shakespeare, de Brecht a Dea Loher, de Padre Anchieta a Nelson Rodrigues, de Maria Adelaide Amaral a Juca de Oliveira, do texto coletivo ao processo colaborativo, enfim ser crítico é não ter medo de estudar e reconhecer que o saber jamais se esgota.